quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Moça Suave dos Olhos Doces"

Na solidão daqueles que se apagam
E passam pelo mundo incognoscíveis,
Talvez houvesses visto, desprezíveis,
Os belos que os mais belos invejaram.

Não sei dos sonhos teus, imperecíveis,
Tampouco dos chacais que tos calaram,
Bastarda algaravia em que se inflaram
Tão cegos aos sentidos invisíveis...

No entanto, Moça, eu sei o que acalentas!
Doçura em olhos fala mais que verbos
E, vida adiante, eu sei por que persistes...

Pois, dia hão de ter fim tuas tormentas
E os frutos todos que colheste acerbos...
Oh, Moça! Olha p'ros meus olhos tristes!...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Procura...

Por oportuno digo-te, senhor, que a trilha é longa e seca. Não há árvores nem sombra. Toma. Leva água e alguns suprimentos. Deixa teu cavalo aqui. Ele não precisa encontrar o que tu procuras. Sofre o pó do caminho, mas não te ajoelhes ou serás vencido pela inércia. Não aguardes socorro. Não esperes recompensa...
O que encontrarás? Tudo. Ou nada. Ainda assim, anda. Caminhar em direção ao nada ou ao desconhecido é sempre um suicídio necessário. Mata-te, pois, e sairás vivo. Volta, se puderes...

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Soneto

Mudam-se as moedas, mudam-se as verdades,
Mudam-se juros, regras da Poupança...
A Economia muda, sem confiança,
Fugindo sempre e mais das realidades.

O "Poderio" inventa novidades,
E enfeita o caos, vestido de bonança.
E o jogo interno e externo da balança
A encher os olhos, cheios de vontades...

E o povo a se enganar em todo canto,
Trabalha, samba e bebe, noite e dia,
Sem dar-se conta do cruel quebranto...

Berrando, na falácia da alegria,
Desperta, triste, envolto por seu pranto:
O bolso hoje "dói" mais do que "doía"...


Camões, desconsidere-me em nome da velha amizade!...

terça-feira, 31 de julho de 2012

"Delirium tremens"

Há mais de mim em mim do que convinha,
Redemoinho a que, servil, me afeito,
Revolto mar que enfrento sem ter linha
Que me conduza, enfim, da terra ao leito.

Não é a dor qualquer que me sujeito.
Um canto obscuro troa pela rinha -
O eu que fui e o que ora sou, num preito
À luta sem senhor que se avizinha.

Mas, eis um pálio cálido fulgura,
Calor da vida, antídoto ao infausto;
Cadente luz de graciosa estrela

Suavemente jaz sobre a figura
Do homem triste que, em holocausto,
Duvida do que fez por merecê-la.

terça-feira, 20 de março de 2012

"Grito" - Humberto de Campos (A Salvador Rueda)

Ao sondar minha Dor, qual se chorara,
Pedi: -"Cristãos, vede meu mal traiçoeiro!"
Mas os homens sem fé, no mundo inteiro,
Ver não quiseram minha sorte amara.

Cheio de nojo, procurei uma ara,
E implorei: -"Homens d'honra, a mim, primeiro!"
E, de tanto fingido cavaleiro,
Nenhum, para me ouvir, volveu a cara.

-"Filantropos, - clamei - predicadores,
Moralistas, filósofos, doutores,
Consolai o meu íntimo desgosto!"

Não se ouviu meu gemido suplicante...
Gritei: -"Canalhas!" e, no mesmo instante,
Todo mundo me olhou, voltando o rosto!



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Até um dia, Corneta!

Até um dia, Corneta! Sei que melhores mãos lhe conduzem os passos agora!...

Revejo tudo, todas as etapas. Tento ver que falhas cometi. Não sei dizer...

Sabemos, você e eu, que a amei por ideal, desde o momento em que vi sua foto num apelo por e-mail. Mesmo sabendo que os relatos não eram lá muito fiéis, que sua idade não era tão avançada e que seu problema não era apenas dor por maus tratos. Desc...obri isso assim que abri a caixa de transporte e você saiu, como um zumbi, pelo apartamento. Sua atrofia muscular, sua magreza excessiva... Eu senti, de certa forma, que seu tempo de convivência seria curto entre nós... E você se superou! Não ganhou peso, mas, ainda assim, ganhou viço. Seu temperamento "intratável" causou sérios problemas com os outros gatos... No entanto, como eu poderia esquecer o impacto de seu olhar naquelas fotos? Como poderia fechar-me a você? Você se lembra bem do borrifador de água para impedir que machucasse os outros gatos, não?

Querida, não há um momento de arrependimento! Mesmo com todas as vezes em que tive que brigar com você por seu comportamento agressivo. Guardo todos os arranhões e mordidas com carinho. Como guardo o instante mágico em que você, sem jeito, veio pedir-me o primeiro cafuné...

Nos últimos tempos, você já ensaiava deitar-se em meu colo, o que eu nunca consegui de você. Totalmente desengonçada, mal ficava cinco minutos e saía contrariada!...

Ah, minha gata porquinha! Desajeitada, esfomeada, sem nenhum jeito! Não mais verei seu pratinho de água arranhado, arrastado até o meio da cozinha, deixando uma inundação pelo caminho, porque era o seu jeito de beber!

Que saudade de todos os furos que você faria em meus lençóis, com suas garras, que nunca aprendeu a retrair! Da sua indignação sempre que via o Biruta!... E como doerá ver a Lua cheia, ocasião em que você sempre ficava extasiada no quintal, como que hipnotizada pela beleza maior do que nós mesmos e que, mesmo sem entender, você sentia!

Ah, Corneta! Não há o que descreva o que sinto!... Perdoe-me por qualquer falha!

Siga seu caminho, filha! Até um dia!!