segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Tristeza pela Peremptoriedade das Coisas

          William S. Burroughs, escritor norte-americano nascido em 1914 e morto em 1997, teve atribulada vida, de que pouco conheço. No entanto, ao ler seu livro "O Gato por Dentro" (L&PM Pocket, 2007), encontrei algumas (muitas) "semelhanças" em alguns traços de sentimentos e visões de mundo. Transcrevo, da página 78, tocante relato (para mim, de fato, o livro tem o verdadeiro formato do que hoje conhecemos como blog):


          "O livro dos gatos é uma alegoria, na qual a vida passada do escritor se apresenta a ele como uma charada felina. Não que os gatos sejam marionetes. Longe disso. Eles são criaturas vivas que respiram, e quando se tem contato com qualquer outro ser, isso é triste: porque você vê as limitações, a dor e o medo e a morte final. É isso que significa contato. Isso é o que vejo quando toco um gato e percebo as lágrimas escorrerem por meu rosto." (grifo nosso)

          Sinto, senti, e creio que sentirei isso sempre em contato com os animais... O que me causou espanto foi verificar a descrição clara de sentimentos tão profundos e algo confusos. E, embora nem sempre seja possível evitar, sou obrigado a perguntar-me sempre se vale a pena "dar broncas" por travessuras e coisas do gênero, ante a fragilidade, a pureza (no sentido de não terem muito mais que o instinto a guiá-los) e a "confiança" que depositam em nós. Há alguma, mas não total nem contínua, semelhança com o que se pode sentir em relação a crianças, principalmente bebês e, com muito esforço de coração e pensamento, em relação aos seres humanos em geral.

          Reflexões...

         

sábado, 19 de dezembro de 2009

Alphonsus de Guimaraens Filho

          Primeiramente, deixo endereço de site que merece (e deve) ser lido, a respeito do grande poeta que, em nenhum momento "ficou à sombra do pai": http://aiuslocutius.wordpress.com/2008/08/30/a-morte-de-alphonsus-de-guimaraens-filho-e-o-nosso-analfabetismo-literario/

          Transcrevo, como homenagem (que será sempre incompleta) um pequeno poema do Gigante (talvez não o mais expressivo mas, se a poesia tem ao menos uma vantagem, é o fato de poder "ser grande ou pequena" conforme o leitor). Ei-lo ("Sequência"):


          Os bois mugem para a grande
          solidão que os agasalha.
          (Os homens acham na paz
          do campo a paz que apunhala.)

          Os cães uivam para a lua
          um uivo fino e ofegante.
          (Os homens padecem a lua
          e a dor em canto se expande.)

          Os gatos choram na noite
          como em fundo sofrimento.
          (Os homens padecem a noite
          uma outra noite antevendo.)

          As traças devoram a vida,
          papirógrafos sem pressa.
          (Os homens se dão aos livros
          e a vida, como lhes pesa!)

          Os ratos pelos armários
          deixam apenas fragmentos.
          (Os homens se dilaceram,
          as próprias cinzas temendo.)

          E a vida só se asserena,
          se atenua, se aquieta,
          quando num rosto cansado
          sombra, apenas, se dispersa.


Poema retirado do livro "O Tecelão do Assombro" (Editora 7 Letras, 2000, p. 28)


         

sábado, 21 de novembro de 2009

Minha Gatinha Maltratada

          Está conosco há relativamente pouco tempo e, por isso, ainda "nos estudamos" um ao outro, com a cautela necessária do medo. Afinal, consta que ela foi muito maltratada (e já conta com aproximadamente 13 anos). Veio com o nome "Kika", mas tenho, por princípios emocionais, não chamar um animal nessas condições pelo nome cujo som possa evocar "lembranças" tristes. Contudo, ainda não encontrei um nome para ela. Pensei em "Branquinha", mas não gostei; "Algodão", mas ela também não é tão "fofa" assim (os outros gatos que o "miem"); quis mais: escolher um nome em tupi-guarani, mas não funcionou (primeiramente porque é difícil para quem não entende a língua meter-se a "juntar" pedaços, correndo o risco de falar bobagem). Chamo-a de "minha filha", enquanto isso.

          Já houve algum progresso, ou melhor, bastante progresso. Ela não permitia sequer a aproximação, sem aqueles amistosos "tapas" com as garras expostas (bendita tintura de iodo a 2%!). Hoje, e tenho certeza de que ela "pensa" que eu não vejo, quando estou no lusco-fusco da mente obnubilada pelos remédios, ela "se enfia" sob minha mão e se esfrega com prazer, parece-me desconhecido por ela, em meu braço - gesto, aliás, típico dos gatos, tidos ainda como animais "ariscos", "independentes", "interesseiros"; essa visão não passa de reflexos antigos da época em que os ratos eram cultuados por representarem a prosperidade e a capacidade reprodutora, e seus predadores naturais eram queimados vivos, enquanto os perpetradores da façanha cantavam e giravam em torno das piras da ignomínia. Enfim, eu finjo que faço movimentos "involuntários" e ela se deleita para, depois, deitar-se aos meus pés.

          Tento administrar a ciumeira geral. Trato a todos igualmente, afinal sou o "macho-alfa" aqui. Não permito que ela persiga os outros e nem que os outros a persigam. Bendito o ser humano que, num raciocínio simples mas totalmente lógico, criou aqueles borrifadores de água - muito utilizados (ou estou ultrapassado?) por quem "passa" roupas. Uma borrifada aqui, outra ali, e a paz volta a reinar, sem grandes traumas.

          Talvez seja impróprio para um ser humano dizer isso, mas tenho facilidade para amar os animais (lógico) e, principalmente, os "lazarentos", os "execrados", os "excluídos". Desde minha infância, por exemplo, lembro-me de amar os urubus, os gambás (a nossa velha e querida cuíca), os morcegos, as lagartixas, e por aí vai. Lembro-me, também, de certa feita, quando minha mãe precisou resolver alguns problemas na rua e, obviamente tive que acompanhá-la. Do ônibus, vi um cachorro esquálido (sabem aqueles cães "amarelos" que costumam multipovoar o grupo dos cães de rua?) tentando alcançar uma lata de lixo cuja "boca" estava alta demais para ele, enquanto a "turba multa" divertia-se, com o riso dos inconsequentes. Perguntei, com minha eterna dor: "Mãe, como se chama o médico que cuida dos animais?". Ela me olhou (e juro que ela já sabia o motivo da pergunta!) e disse: "Veterinário". De pronto, respondi: "Quero ser Veterinário quando crescer!".

          Talvez não explique muito, mas quando olho para a "mal-humorada" felina, todas as lembranças reviram-se e meu peito só sabe dizer: "Seja bem-vinda, minha filha!".

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"Soneto do Só" (Parábola de Malte Laurids Brigge) - Vinícius de Moraes

          Depois foi só. O amor era mais nada
          Sentiu-se pobre e triste como Jó
          Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
          Espantado, parou. Depois foi só.

          Depois veio a poesia ensimesmada
          Em espelhos. Sofreu de fazer dó
          Viu a face do Cristo ensanguentada
          Da sua, imagem - e orou. Depois foi só.

          Depois veio o verão e veio o medo
          Desceu de seu castelo até o rochedo
          Sobre a noite e do mar lhe veio a voz

          A anunciar os anjos sanguinários...
         Depois cerrou os olhos solitários
        E só então foi totalmente a sós.













quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Bertha Celeste Homem de Mello

          Filha de fazendeiros, escreveu, da cidade de Pindamonhangaba, em 1942, famosos versos que enviou à Rádio Tupi, em meio a cerca de 5000 outras cartas, como participante de um concurso promovido pelo cantor Almirante (Henrique Foréis Domingues), e que tinha por jurados Olegário Mariano, Cassiano Ricardo e Múcio Leão, membros da Academia Brasileira de Letras. A intenção de Almirante, que apresentava um programa na referida Rádio sobre música brasileira, era instigar mentes criativas a descartar o estranho e monótono "happy birthday to you", e marcar, em Língua Portuguesa, a representação da comemoração (a melodia já era mundialmente consagrada) do natalício de alguém.

          Fervorosa e carinhosa senhora! Além da graciosidade dos versos, ela fora uma das poucas concorrentes que quebraram a repetição de um verso só, o que encantou o júri. Vamos a eles:

          "Parabéns a você,
          Nesta data querida!
          Muita felicidade,
          Muitos anos de vida!"
          Após o inesperado sucesso, doutorou-se em Letras e passou a dedicar-se à poesia (livro "Devaneios", de que não encontro mais referências, infelizmente). Aos 54 anos de idade, mudou-se para Jacareí, onde lecionou por quase dez anos, vindo a falecer, em 1999, vítima de pneumonia.

          O pequeno relato é "filho" de bendito texto, escrito por Max Gehringer para a Revista Superinteressante, em 2001.

          Que, ao menos, pensemos na dedicada senhora que, com cinco minutos de seu tempo, alegra-nos até hoje, nas referidas festas, e tentemos cantar a música corretamente.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Saudade" - Augusto dos Anjos




Hoje que a mágoa me apunhala o seio,

E o coração me rasga atroz, imensa,

Eu a bendigo da descrença, em meio,

Porque eu hoje só vivo da descrença.


À noute quando em funda soledade

Minh'alma se recolhe tristemente,

P'ra iluminar-me a alma descontente,

Se acende o círio triste da Saudade.


E assim afeito às mágoas e ao tormento,

E à dor e ao sofrimento eterno afeito,

Para dar vida à dor e ao sofrimento,


Da saudade na campa enegrecida

Guardo a lembrança que me sangra o peito,

Mas que no entanto me alimenta a vida.


         




quinta-feira, 15 de outubro de 2009

"Pavane pour une infante défunte"

          Há dores que se amoldam tão perfeitamente a nossa psicosfera, por mais neguemos sua existência, que, por todos os nossos poros psíquicos agem como nosso "cartão de visita". Normalmente, são abafadas, ruminadas em silêncio na tentativa de destruí-las e, quanto mais as calcamos mais recalcadas ficam.
          Não sei se a forma materializar-se-ia, mas a angústia do "vir a ser" murchar ante as mãos impotentes e o pensamento confrangido é suficiente para fazer crer que sim - oh, látego cruento!
          O que pode o homem ante a sutileza das Leis que agem na mórula, na blástula e na gástrula consoante o campo "psicomagnético" que ali se forma, conduzindo e orientando o desenvolvimento?
          Fica a alegria triste do que poderia ter sido no amadurecimento da galvanização dos centros emocionais. Fica também a esperança de novo pequeno ser a buscar nossa fonte nutriz - do alimento físico ou do espiritual...
          Há aqui melancolia, reconheço. No entanto, é um ato terapêutico e expressa vontade firme de nova oportunidade, seja como for. Quando a flor é amada, não nos interessa em que vaso foi plantada.
          Saúdo, assim, a todos os rebentos, na figura daquela que ainda não veio.
                   

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Coisas Insignificantes

          Nem sempre há assunto sério sobre o que escrever, e estou certo de que nessa ocasião pode-se aquilatar o desvario de uma pessoa. Eu poderia discorrer sobre o acúmulo de debris celulares no humor vítreo de meus olhos, as moscas volantes, ou simplesmente moscas, que me acompanham desde a infância, sendo motivo de distração, às vezes. Às vezes, porque o se concentrar nelas por muito tempo pode desencadear uma crise de ansiedade e até de certa angústia, uma vez que elas nunca desaparecerão. O grande segredo para mim foi descobrir que, mexendo os olhos ou mesmo a cabeça, os "monstrinhos" deslocam-se, já que nadam em verdadeira geleia; ao menos, é permitido vê-los em pontos diferentes. O difícil é pensar "não os verei"! Estarei condenado à sua companhia enquanto neles pensar. Nessas horas, sempre imagino o drama de quem padece de cisticercose ocular... Reconheço que é pura neurose e que posso ser taxado de vagabundo por não ter mais nada a fazer.
          Outra coisinha triste é pensar no Infinito, assim grafado como entidade independente. Lembro-me das aulas de Matemática ouvindo as primeiras professoras explicando que os números são infinitos à direita do zero e, mais tarde, também o eram à esquerda do zero. Pior, descobri que entre dois números, naturais ou não, há infinitas possibilidades! Ainda me vejo, nas noites insones, construindo espirais com os números sem encontrar o fim para a árdua viagem. Pelo menos, é ocorrência noturna e, de qualquer forma, se eu contasse carneirinhos, imediatamente viria à mente o fato de que posso passar a noite contando-os, sem fim. Quando paro para pensar na infinitude da vida então, tenho a sensação de que minha mente é um grande polvo que carece de coordenação motora e abraça-se continuamente, esmagando-se sem atingir sua meta. Acabo de ter um insight de que talvez seja mais do que neurose...
          Uma façanha de que descobri ser possuidor é a de ver, espontânea ou deliberadamente, rostos humanos em qualquer superfície para onde dirija meu olhar. É sempre mais fácil quando o fenômeno é espontâneo. Sou acompanhado por tal "dádiva" desde muito pequeno, o que posso fazer? Grande negócio é não pensar que é uma mensagem do Além. Não é! A saída é olhar para os pequenos e por vezes decompostos rostos, imaginando-os por exemplo como esboços e ensaios de grandes pintores e escultores, ou simplesmente como - acharam que eu diria loucura? - desarmonia com o pensar dominante.
          Poderia - como vocês também - contar inúmeros fatos semelhantes, somente para descobrir que, embora haja indivíduos a quem a Vida dotou de inúmeras responsabilidades, a da grande maioria, de que faço parte, tem a sua repleta de coisas insignificantes mas que lhe emolduram o ser e fazem de cada um universo particular.
          Por hoje basta!     

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Apresentação / Introdução

O nome deste Blog surgiu há aproximadamente dez anos e nem era para ser nome de blog. A ideia era escrever um livro... Como talvez ele nem surja, não quis desperdiçar seu batismo, afinal. É provável que eu seja somente um "escritor de títulos", e já ficaria muito satisfeito se houvesse emprego para tal pessoa. O fato é que, na aparente contradição do nome está a pujança do pensamento que lhe deu causa. Poderá um espantalho utilizar um guante? É o que pretendo demonstrar aqui (com a frequência possível) para que se perca o preconceito e para que as ideias, os pensamentos e as máximas, alheias ou minhas, bailem à vontade forçando a reflexão, esta útil. De que valerá um conceito - físico, metafísico, filosófico, religioso ou psicológico - se não houver reflexão? Melhor seria acompanhar o frenesi das formigas em plantação nova e tenra.
Para não estragar esta apresentação - introdução e por mais tola pareça a imagem que tomo à memória, penso que espantalhos sempre remetem a plantações (e, não sei por que para mim, são sempre milharais ou trigais). Pois bem, moro em apartamento, com todos os seus bons e maus caracteres, e para fugir um pouco à clausura da vida moderna e metropolitana, tenho uma pequena jardineira, meu pequeno ecossistema, em que faço "experiências", ou melhor, adiciono alguns agentes e os deixo desdobrarem-se e mostrarem sua potencialidade. Há pouco mais de um mês, minha esposa e eu jogamos lá alguns grãos de milho de pipoca que estavam "habitados" por entidades ainda desconhecidas. Sempre ouvi que os grãos de milho de pipoca recebem tratamento tal que não germinam... De fato, em minhas poucas experiências infantis, não vi nascer um talo sequer. Para este espantalho foi maravilhosa a surpresa (eu não acompanho, sinceramente, os avanços na produção de milho de pipoca) do nascimento de pequenos pés de milho, na verdade, pequenos bonsais - ? - com algumas flores. Sei que não passarão disto, mas a alegria de vê-los trouxe-me, mais uma vez, o espanto de admirar as forças naturais e, assim, a vida.
Não há efeito sem causa e, ainda que assumamos erroneamente que a causa é o milimétrico / centimétrico milharal, eis toma corpo o mesmo espantalho adormecido a defender os pés de milho das agruras humanas.