domingo, 18 de julho de 2010

"Soneto escrito às pressas sob a tempestade"

A um demônio.


Vinde, infeliz, a olhar os campos santos

Em que estorcego agora de loucura.

Ride e cantai ao pé da sepultura

Das dores e dos ossos – e são tantos!


Dançai com frenesi e sem usura

A sanha que vos trouxe e a outros tantos

- Tormento dos propósitos mais santos

Com que fingi ornar-me a catadura!


Vinde e vinde, com fúria e sem descanso!

Perpetuai o ódio que engalana

Minh’alma inconsolável e perdida!


Se atravessei as vagas sem remanso,

Trazei um fim para a miséria humana:

Interrompei, de um corte, a minha vida!

domingo, 11 de julho de 2010

Dor

          Hoje dói muito. Elevo minhas miseráveis forças à Vida em forma de gratidão e carinho, pensando em todos os momentos que compartilhamos na estrada.
          Fique bem! (09/07/2010 - 10/07/2010).

quarta-feira, 28 de abril de 2010

"Ego sum"

Já não trago a ilusão de ser poeta; no entanto, ainda assim, às vezes escrevo em versos, o que é bem diferente.
Segue soneto que, "parido" hoje, trouxe-me algum contentamento, sem pretensão maior. Em seguida, duas observações.

               Na luta entre o meu eu e o "eu" do outro,
               Que a insistência faz que eu assimile,
               Assento em mim, bem como assento n'outro
               Mendaz glutão, que é o meu fac-simile.

               Entendo, enfim, que quem a alguém simile
               Pretende ser, em si, bem mais que o outro
               E, agindo assim, franqueia se assimile
               Figuração fugaz que assiste n'outro.

               Se "eu sou eu somado às circunstâncias",
               Padeço do fugir camaleônico,
               Perseguidor cruel da mente humana.

               Em suma, divisadas as instâncias,
               Reclamo, com meu brado ultrassônico,
               A paz falaciosa que me ufana.

Em língua portuguesa encontra-se "fac-símile" (note-se o acento agudo); utilizo a palavra com deslocamento da tônica para a sílaba "mi". Ao fim da segunda estrofe, tomo a liberdade de lançar mão de neologismo: há o verbo "fac-similar" em nosso idioma e, para efeito do poema, o substituo por um tal verbo "similar" (afinal, liberdade poética...).
Permito-me escandir os versos a fim de possibilitar a "audição de meu canto":

      Na| lu|ta en|tre o| meu| eu| e o| "eu"| do| ou|tro,
      Que a| in|sis|tên|cia| faz| que eu| as|si|mi|le,
      As|sen|to em| mim|, bem| co|mo as|sen|to| n'ou|tro
      Men|daz| glu|tão,| que é| o| meu| fac-|si|mi|le.

      En|ten|do, en|fim|, que| quem| a al|guém| si|mi|le
      Pre|ten|de| ser|, em| si|, bem| mais| que o| ou|tro
      E, a|gin|do as|sim,| fran|quei|a| se as|si|mi|le
      Fi|gu|ra|ção| fu|gaz| que as|sis|te| n'ou|tro.

      Se| "eu| sou| eu| so|ma|do às| cir|cuns|tân|cias",
      Pa|de|ço| do| fu|gir| ca|ma|le|ô|nico,
      Per|se|gui|dor| cru|el| da| men|te hu|ma|na.

      Em| su|ma,| di|vi|sa|das| as| ins|tân|cias,
      Re|cla|mo,| com| meu| bra|do| ul|tras|sô|nico,
      A| paz| fa|la|ci|o|sa| que| me u|fa|na.

É isso.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Conceitos

          Provavelmente é "causo". Mas, se não é verdade é poético. Conta-se que, há não sei quantos anos, um grupo de pesquisadores franceses, em visita científica ao Pantanal, ao avistar a grande ave que o simboliza teria exclamado: "Que beau jabot rouge!" - "Que belo papo vermelho!" - (pedindo vênia a possíveis deficiências gramaticais; no entanto, jabot, "papo", é substantivo masculino, e rouge foi encontrado por este franco-analfabeto também como adjetivo ou substantivo masculino).

          Imagino que o caboclo brasileiro, o nosso "legítimo eu", de tanto ouvir a expressão, associou facilmente, pela sonoridade, jabot e rouge, até fixar "jaboru" e, finalmente, "jaburu". No entanto, mais factível, consta do tupi-guarani (ou nheengatu, como preferirem) o significado advindo de característica da ave: "garganta inchada", "papo inchado" (e o nome científico do tuiuiú, ave ciconiforme em risco de extinção, é Jabiru mycteria). Igualmente poético, pois a observação de detalhes, mesmo por "homens práticos", preocupados com a caça ou com a localização e, enfim, com o conhecimento do mundo em volta, requer "sintonia fina" que, para a mente, é poesia.

          O que leva à reflexão é o fato de o nome ter adquirido a conotação de "indivíduo feio", "esquisito", "tristonho". As cegonhas, e o nosso jaburu, andam de forma que pode ser considerada "desengonçada", e senso estético é privilégio de poucos... Muitas pessoas (quem sabe mesmo este escriba) são achincalhadas com epíteto originário de lendária visão francesa ou da aguçada percepção indígena, mas com inegável "paixão estética", o que demonstra nossa incansável vocação à deturpação.

          Consola-me a visão do nobre animal e de seu altivo caminhar, alheio, não às nossas ações deletérias, mas, felizmente (como todos os animais), à nossa ideação degenerada.
         
          São as pílulas de hoje.