sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Conceitos

          Provavelmente é "causo". Mas, se não é verdade é poético. Conta-se que, há não sei quantos anos, um grupo de pesquisadores franceses, em visita científica ao Pantanal, ao avistar a grande ave que o simboliza teria exclamado: "Que beau jabot rouge!" - "Que belo papo vermelho!" - (pedindo vênia a possíveis deficiências gramaticais; no entanto, jabot, "papo", é substantivo masculino, e rouge foi encontrado por este franco-analfabeto também como adjetivo ou substantivo masculino).

          Imagino que o caboclo brasileiro, o nosso "legítimo eu", de tanto ouvir a expressão, associou facilmente, pela sonoridade, jabot e rouge, até fixar "jaboru" e, finalmente, "jaburu". No entanto, mais factível, consta do tupi-guarani (ou nheengatu, como preferirem) o significado advindo de característica da ave: "garganta inchada", "papo inchado" (e o nome científico do tuiuiú, ave ciconiforme em risco de extinção, é Jabiru mycteria). Igualmente poético, pois a observação de detalhes, mesmo por "homens práticos", preocupados com a caça ou com a localização e, enfim, com o conhecimento do mundo em volta, requer "sintonia fina" que, para a mente, é poesia.

          O que leva à reflexão é o fato de o nome ter adquirido a conotação de "indivíduo feio", "esquisito", "tristonho". As cegonhas, e o nosso jaburu, andam de forma que pode ser considerada "desengonçada", e senso estético é privilégio de poucos... Muitas pessoas (quem sabe mesmo este escriba) são achincalhadas com epíteto originário de lendária visão francesa ou da aguçada percepção indígena, mas com inegável "paixão estética", o que demonstra nossa incansável vocação à deturpação.

          Consola-me a visão do nobre animal e de seu altivo caminhar, alheio, não às nossas ações deletérias, mas, felizmente (como todos os animais), à nossa ideação degenerada.
         
          São as pílulas de hoje.

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