Já não trago a ilusão de ser poeta; no entanto, ainda assim, às vezes escrevo em versos, o que é bem diferente.
Segue soneto que, "parido" hoje, trouxe-me algum contentamento, sem pretensão maior. Em seguida, duas observações.
Na luta entre o meu eu e o "eu" do outro,
Que a insistência faz que eu assimile,
Assento em mim, bem como assento n'outro
Mendaz glutão, que é o meu fac-simile.
Entendo, enfim, que quem a alguém simile
Pretende ser, em si, bem mais que o outro
E, agindo assim, franqueia se assimile
Figuração fugaz que assiste n'outro.
Se "eu sou eu somado às circunstâncias",
Padeço do fugir camaleônico,
Perseguidor cruel da mente humana.
Em suma, divisadas as instâncias,
Reclamo, com meu brado ultrassônico,
A paz falaciosa que me ufana.
Em língua portuguesa encontra-se "fac-símile" (note-se o acento agudo); utilizo a palavra com deslocamento da tônica para a sílaba "mi". Ao fim da segunda estrofe, tomo a liberdade de lançar mão de neologismo: há o verbo "fac-similar" em nosso idioma e, para efeito do poema, o substituo por um tal verbo "similar" (afinal, liberdade poética...).
Permito-me escandir os versos a fim de possibilitar a "audição de meu canto":
Na| lu|ta en|tre o| meu| eu| e o| "eu"| do| ou|tro,
Que a| in|sis|tên|cia| faz| que eu| as|si|mi|le,
As|sen|to em| mim|, bem| co|mo as|sen|to| n'ou|tro
Men|daz| glu|tão,| que é| o| meu| fac-|si|mi|le.
En|ten|do, en|fim|, que| quem| a al|guém| si|mi|le
Pre|ten|de| ser|, em| si|, bem| mais| que o| ou|tro
E, a|gin|do as|sim,| fran|quei|a| se as|si|mi|le
Fi|gu|ra|ção| fu|gaz| que as|sis|te| n'ou|tro.
Se| "eu| sou| eu| so|ma|do às| cir|cuns|tân|cias",
Pa|de|ço| do| fu|gir| ca|ma|le|ô|nico,
Per|se|gui|dor| cru|el| da| men|te hu|ma|na.
Em| su|ma,| di|vi|sa|das| as| ins|tân|cias,
Re|cla|mo,| com| meu| bra|do| ul|tras|sô|nico,
A| paz| fa|la|ci|o|sa| que| me u|fa|na.
É isso.